No início eram só revoltas. Mas revoltas particulares, cada um engolindo sozinho as notícias de jornais, acumulando seu próprio stress, alguns suas próprias úlceras, enquanto outros liberavam sua intolerância no outro. O caos começava a se instalar. A segurança, a saúde e a educação estavam mais do que no lixo. As escolas não funcionavam, não havia professores suficientes; os poucos médicos humanitários dos hospitais públicos já não davam mais conta de tamanha demanda. A população foi aos poucos diminuindo, a mortalidade aumentando. Tanto acidental quanto provocada por homicídios, resultado da lei do mais forte. O dinheiro público se concentrava e se esvaía em Brasília, onde os políticos mais que descaradamente embolsavam o máximo que podiam, já que a impunidade era a palavra da moda. Ninguém fazia nada. E esse mesmo ninguém já não mais aguentava. Jornalistas, empresários, executivos, artistas, pessoas influentes, sem falar no povo que já não tinha mais nada, dentro do pouco que nunca teve. E então, na surdina, começou a preparação. Emails eram trocados entre a população. Notas figurativas nos jornais acionavam determinada classe, as empresas informavam seus funcionários, os sindicatos esclareciam para seus membros e paulatinamente tudo foi se organizando. Empresas de transportes aéreo e terrestre organizaram a multidão, todos em prol de um só objetivo. Foi no dia 7 de setembro de 2022. Duzentos anos após a conquista da independência. Milhões de pessoas chegando em Brasília. Nas mãos, ferramentas de todos os tipos e tamanhos. Os mais organizados chegaram com tratores e máquinas grandes de destruição e implosão. Mais do que organizado, a intenção não era ferir ninguém, muito embora o presidente e alguns membros do congresso e do senado não passaram impunes e a população, não contendo o ódio acumulado em anos, acabou por linchá-los. Mas ninguém havia de ser punido. Não havia testemunhas. Não havia polícia que segurasse a indignação do povo. Bastaram os três dias do feriado. Não sobrou pedra sobre pedra. Não sobrou espaço que permitisse a reconstrução. A faixa presidencial foi colocada num avião e enviada para o Rio de Janeiro, onde, nas portas do Palácio Guanabara, outra multidão a esperava com as boas vindas da nova velha Capital Federal. Perto do povo. Junto com o povo. Onde o povo está. E a política brasileira nunca mais foi a mesma.