quarta-feira, 5 de abril de 2017

Lugar de fala

Lembranças terríveis me vieram à tona com essa campanha sobre o assédio sexual. Logo eu, que sempre me considerei uma guerreira, que sinto na pele e luto todos os dias, que faço parte da geração herdeira da “queima dos sutiãs”, que dei continuidade à luta da minha mãe pelos direitos profissionais iguais para todos.

Porém, refletindo sobre o assunto, posso afirmar, garantir e provar: é árduo.

Tenho 23 anos de carreira e nestes passei por muitos, inúmeros, incontáveis casos de assédio. Sim, tive que refletir, pois fui educada a achar que era normal. Ouvir uma frase escrota, levar uma cantada, ou um tapinha na bunda e sorrir. Talvez até tenha me manifestado contra, mas sempre com cuidado, com medo de ser demitida. Ou de achar que eu era a culpada. Sim, também já achamos muitas vezes que a culpa é nossa (vítimas). De nosso comportamento liberal, de chegar de ressaquinha no trabalho após uma noite com as amigas (normal para o sexo oposto) e achar que por isso tem menos moral. De usar um decote um pouco mais ousado ou uma calça um pouco mais justa. E achar que por isso tem menos moral. O nosso comportamento se reflete na realidade na qual somos educadas. Ledo equívoco.

Realmente não posso contar quantas vezes fui assediada indiretamente. Direta é mais fácil. Foram três. 3. TRÊS. Fui TRÊS vezes agarrada contra a minha vontade. Enfiaram a língua na minha boca. Acharam que eu queria, mas no meu ponto de vista nunca dei a entender isso. Nunca. Minha ingenuidade, simpatia, gentileza? Nunca dei algum sinal de interesse. Três vezes usaram da força masculina para me agarrar. Enfiaram a língua na minha boca. Passaram a mão no meu corpo. E apenas uma vez eu reagi de igual para igual, porque era um colega. Não havia hierarquia entre nós. Devolvi-lhe a “gentileza” com um bofetão, digno de novela. Nunca tinha batido na cara de ninguém. Violência que doeu em mim. As demais foram de um chefe e de um cliente. Desbaratinei. Deixei por isso mesmo, pois o medo de perder o emprego falou mais alto. Eu ganhava bem. Não queria sair. Tive que sorrir pro cliente calmamente e dizer que ele “entendeu” errado e se por acaso eu “dei qualquer motivo” para tal, que me desculpasse. Que ele me desculpasse. Que ELE me desculpasse? Oi? Tive que argumentar, sim, ARGUMENTAR com o chefe sobre o porquê de não querer sair com ele. Tive que conversar e explicar por que eu não queria nada com ele. Tive que tentar convencê-lo de que eu não queria. Tive que perder meu tempo explicando. Minhas simples escolhas e liberdade não eram suficientes para refutar uma relação que eu simplesmente não queria ter. E não era obrigada a ter. E sim, na minha ingenuidade dos 20 e poucos anos, me senti lisonjeada por ser a escolhida do chefe. Jovem! Ignorância para lidar com a situação e para tentar me convencer de que aquilo não era um problema, de que não foi tão ruim assim. Tentar me convencer de que não foi ruim. Foi ruim. Foi péssimo.

Precisei de muito amadurecimento e lições de vida para chegar à conclusão de que tudo isso é totalmente indevido. Totalmente. Nenhum decote, nenhuma saia, nenhuma calça justa, nenhuma simpatia ou gentileza justificam esse tipo de atitude. Nenhum cabelo ao vento. Nada.

Então se você é homem e nunca assediou ninguém no ambiente trabalho, ótimo, continue assim.

Se já o fez, simplesmente pare. Respeite.

Se já sofreu assédio alguma vez, posso apostar que foi pontual e que você achou graça. E que isso é apenas reação a uma ação. Pagar com a mesma moeda. Não é certo, mas é uma resposta imediata. E sem comparação.

Portanto, se você é homem não compare, não critique, não questione, não desdenhe ou ignore esta ou qualquer outra campanha contra o assédio ou a cultura do estupro. A realidade é muito mais cruel do que a TV Globo.

Você não tem a MENOR IDEIA do que é passar por isso a sua vida INTEIRA, refletindo e lutando pelos direitos profissionais iguais para todos. Não chegamos nem na metade da guerra. Mas você simplesmente não entende nada disso. Se não apoia, por favor fique em silêncio. Sobre isso é a nossa vez de falar.