Acordei com o
som dos pássaros. Como todos os dias ultimamente. Tem um que canta pertinho da
janela. Às vezes acho que é um bem-te-vi e outras, que ele não canta
“bem-te-viiii”. Mas é a mesma “voz”. Não
gosto muito de acordar.
Moro no interior
desde o solstício. Vida mais calma tem essa música urbana diferente, de rádio
de elevador, mas só o repertório bom, que acalma. De repente estrondeado pelo
carro de som do mercadinho que passa todos os dias. Ou do caminhão de gás.
Não acordar
com despertador é uma conquista. Cada um com seu relógio biológico. Acordar aos
poucos faz a gente engrenar aos poucos. Ainda tinha que meditar. Um exercício e
um trato que fiz comigo mesma, na busca pelo relaxamento consciente, alternativa
a remédios contra insônia. Porque fazer algo qualquer dia de manhã requer que
se tenha dormido. E, cada vez mais, parece que dormir é um luxo. Lembrei-me das
pessoas viciadas em remédios tarja-preta. E dos que têm problemas para dormir. Quem
dorme bem, afinal? Eu durmo. É uma busca constante na minha vida, dormir é muito
necessário. Sonhar é bônus. Fiquei a lembrar do meu sonho. Estava em algum lugar
com minha irmã e não sei mais quem, pessoas íntimas no momento, mas que não
tenho a menor ideia de quem sejam. De repente, fugimos numa Kombi azul, estilo “Pequena
Miss Sunshine” e seguimos pelo elevado. Veja só, o elevado nem existe mais. E
então, passando na frente da Candelária, caiu um satélite do céu em cima de um
caminhão. Pensei por que sonhei isso. E me diverti com a reposta: não há
explicação. Eu sonho quase sempre. E meus sonhos são bem birutas. Eu adoro.
Continuei
deitada, pensando em levantar. Não gosto muito de acordar. Pode parecer
depressivo – talvez seja um pouco –, enfim, não significa que eu queira morrer.
Eu apenas não gosto muito do ato de acordar e levantar da cama. Por outro lado, eu adoro ir para a cama.
Deitar e relaxar. Acordar é levantar e agir. “Agir para quem planeja, pois quem
se deixa levar apenas reage” – ouvi isso num seriado a que assisto. Verdade.
Pensei em meus planos para o dia, e que preciso agir. O mundo já anda reativo
demais. A reforma. Acabei de me mudar e obras são necessárias. A conquista por
não ter despertador – e ter tempo – obriga a gente a aprender a fazer outras
coisas, já que não pagaremos alguém para tais. Bom modo de se aproveitar da
crise, não está fácil. Pintura de parede e faxina, por exemplo. Tenho que dar mais
uma demão na cozinha. Aprendi até a passar massa corrida. E que vontade que dá
de comer, que textura!, que maciez!, que brancura! Pena que é tóxica, senão
dava uma colherada para experimentar. Gosto mais de passar do que de lixar.
Esse é trabalhinho sujo. Mas lixei também. Depois de meia hora consegui duas
bolhas nos dedinhos. E a dor no braço me lembrou da vacina antitetânica que
havia tomado, depois de me cortar com um preguinho enferrujado. Vida na cidade
do interior tem dessas coisas. Tem mais bicho. E casa dá mais trabalho do que
apartamento. Você pode se cortar ou ser mordido. Tem bichos peçonhentos. Vacina
antitetânica é importante. Nossa! Acordar e lembrar os sintomas do tétano é
lamentável. Volto a ouvir o som do bem-te-vi. Agora parece que ele canta algo
como ‘tô no jogo, tô no jogo’. Rio sozinha. Muito melhor que pensar nos
espasmos musculares do tétano. Puxa, ainda tem que pintar o teto da cozinha.
Pintar teto é castigo. O corpo-humano não foi feito para pintar tetos. Chuva?
Sim, som da chuva caindo, que delícia!
Choveu muito
ontem de manhã. Então eu virei para o lado e dormi mais um pouquinho. Não gosto
muito de acordar.