sábado, 22 de setembro de 2018

Presente

Não, amigo, não precisa dizer que estou linda, elogio vazio de rede social. Até porque este não é meu melhor ângulo e a paisagem é bem mais bela do que eu.

Diga apenas que estou bem. Talvez, que sou inteligente, guerreira, que o inspiro porque corro atrás do que eu quero e encaro as adversidades, sem medo de ser feliz, a despeito do clichê.

Não diga como estou magrinha.

Diga que me admira porque sou ativa, porque pratico esportes, não tenho carro nem preguiça. Porque não vejo problema algum em descer a ladeira de casa de bicicleta ou a pé, de pegar carona, ônibus, VLT e metrô para chegar ao compromisso. De ir ao mercado e voltar com a mochila pesada de hortifrúti e cervejas, porque elas também fazem parte da minha dieta.

Não diga que sou corajosa porque deixei meus cabelos brancos aparecerem. Para isso, basta não pintá-los, é bem simples, não precisa de coragem.

Diga que sou corajosa porque superei a morte da minha mãe e uma depressão, porque mudei de cidade e de vida, escolhi sair de um mundo de dinheiro fácil e corrupção para outro de dinheiro curto e satisfação. Porque tive coragem de seguir meu sonho de infância e me tornar professora, apesar de a profissão ser cada vez menos respeitada e cada vez mais desvalorizada. Porque escolhi não ter filhos nesse mundo cruel e “overbooked” e encaro a minha escolha com convicção, não obstante os preconceitos e absurdos que sou obrigada, ainda, a ouvir.

Não diga que eu deveria fazer um botox para "ficar melhor" ou sei-lá-o-quê na minha fina sobrancelha, para virar dois mandarovás pisados, igual a todo mundo.

Diga que sou simpática, que meu sorriso o faz sorrir ou que meu olhar de bruxa mal-humorada lhe dá raiva. Sei que algumas pessoas mais próximas têm medo de encarar certos pensamentos meus, pois minha austeridade se reflete no olhar e na frase grosseira espontânea, quando desaprovo pensamentos ou ações. Prefiro essa sinceridade severa ao sorriso amarelo e manso da aquiescência.

Então se quiser me elogiar ou dar conselhos, não me venha mais com superficialidades que você acha que são importantes. É difícil começar a envelhecer. Ficaria mais fácil se todos enxergassem além do que se vende e do que se compra nessa caixinha de padrões restritos e inúteis. Aquilo que conquistamos e lutamos para preservar: nossa essência e nossa saúde, que o dinheiro não paga e os espelhos não refletem.

Um comentário:

ale disse...

Isso! "Beleza" e "magreza" pegaram a última senha na fila de importância dos méritos alcançados. Aos poucos, esse paradigma do modelo estético que a mídia de massa nos impõe como meta de vida vai cair. Parabéns pela sua história de vida. Excelente texto! bjs bjs!!