Nem tudo são flores. Havemos de convir que a vida é uma
eterna solução de conflitos. Vivemos para resolver problemas. Matamos um leão
por dia e treinamos para não sermos a última gazela do bando, caso o leão não
tenha morrido. Contudo, ainda vale a pena quando é pelo menos 60% alegria e 40%
perrengue. Como quando você vai subir a montanha em um dia lindo de inverno. É
muito mais alegria, mas – claro – também tem uma pitada de perrengue. Fato. Aí
chove. E te molha. E esfria. E inunda o caminho. E desmorona. O passeio que
antes era 80x20 vira 20x80. Estragado está.
Quando a gente nasce, a vida é 100% alegria. A gente mama,
dorme, faz xixi, come, faz cocô, dorme, todo mundo nos ama e nos protege e é só
alegria.
Conforme vamos crescendo, esse balanço vai, ao poucos, invertendo-se
proporcionalmente. Perto de um ano de idade, quando começamos a aprender o
significado das palavras, começamos a entender a primeira frase desta
publicação. Nem tudo são flores. Por que é que nos falam tanto ‘não’? Mas ainda
contamos com uns 95% de alegria, pois somos fofos o suficiente para que não se
aumente o perrengue. Porém, um tantinho mais que isso já provoca a necessidade
dos nossos pais da rígida educação. Com dois ou três anos já temos que arrumar
nossas bagunças. O que antes era uma fantasia, jogar tudo no chão e depois ir
dormir, começa a dar lugar ao saquinho cheio da organização. 90x10.
Quando iniciamos a jornada estudantil é que o placar se
altera drasticamente. Ir à escola, entender independência (aprender a se
defender, fazer amiguinhos), lição de casa, enxugar os dedos dos pés e – o pior – acordar cedo
fazem o placar da alegria deliberadamente despencar. 75x25. 5.ª Série/6.º ano,
abaixa mais um pouco. 70x30.
Na adolescência esse placar sofre um severo revés,
ratificado pela sensação hormonal de que a vida é uma merda. Por que afinal estamos
aqui? Quem foi que teve essa ideia?? Chegamos a conviver com o perrengue como vencedor, com mais de 60%,
certamente, porque ninguém nos entende e tampouco nos dá alguma resposta. Só a nossa
BFF. E ainda temos que lavar a louça.
Passada essa fase, voltamos a andar na linha balanceada de 60-70 x 40-30, com algumas baixas, claro. Mas quando somos jovens acreditamos
que o mundo é bom (há mais de 5000 anos que não é...), que as
guerras e a violência gratuita vão acabar, que a corrução vai ser punida, que o Brasil vai crescer, que
tudo vai dar certo, que vale a pena lutar. Uh!
Aí, chegamos à idade adulta e deixamos de lado alguns
sonhos da juventude. Vamos aprendendo que pouco muda, principalmente neste nosso
país, onde já passamos por muita coisa ruim que não serviu para nada. Nada. "A história se repete mas a força deixa a história mal contada." Ainda por cima, somos democraticamente obrigados a votar e perdemos o direito de entrar na cama elástica e na piscina de bolinhas. Crescer é perrengue garantido.
Aí a gente vai perdendo a fé. E percebendo que a vida, na
verdade, é muito mais perrengue (60-70%) do que alegria (30-40%). Exceto por
alguns “momentos felizes” em que voltamos a acreditar – enquanto durar o
porrete – que a vida é bela. Aí a ressaca do dia seguinte devolve na sua cara
uns 80% de perrengue da vida.
E a gente segue nessa luta. Balanceando. Buscando.
Alimentando o que nos faz bem para que se viva pelo menos em um empate com a
alegria.
Embora em nosso último suspiro a gente se encontre em 99% de
perrengue (100 deve ser a morte), que por um milagre possamos recordar apenas
das coisas boas e inverter naturalmente aquele instante, acreditando que tudo
foi simplesmente bom.
(Se você discorda e acha que sua vida é 100%
alegria, pare de tomar o remedinho e olhe para o lado. Não dá para ser mais de 50% feliz
com mais de 50% da população mundial em 100% de perrengue.)
'I gotta tell you It gets better
every day you stay alive
and I'm amazed
every day that the sun decides to rise
every minute, every hour is another chance to change
LIFE IS BEAUTIFUL and TERRIBLE and STRANGE.'