quinta-feira, 9 de novembro de 2017

Amanhã estarei viva?

Imagem do post de Ana Canas.

Participei, como cobertura de comunicação, de um evento chamado Mulheres Mobilizadas no dia da Mulher. No Largo da Carioca no Rio de Janeiro, as mulheres se mobilizaram para falar sobre saúde. SAÚDE. O aborto é somente UMA das causas que mais mata mulheres no Brasil. É preciso falar sobre o aborto. É preciso legalizar o aborto.

Não porque queremos fazer sexo desmedidamente e usar o aborto como método contraceptivo. Absurdo, né? Mas houve um senhor que passou por nós e gritou isso. Coragem de parar para conversar ele não teve. Gritou ligeiro, como se o ato de abortar fosse o mesmo de colocar uma camisinha. Como se abortar não causasse um trauma enorme na mulher, só perdendo para a obrigação de criar um filho sem estrutura e para sempre. E ainda sem o pai, que abortou no momento em que virou as costas para a mulher e disse: Problema seu. 

Se o problema é meu, eu que resolvo, certo? Errado. A pena no Brasil para a mulher que aborta é de 1 a 3 anos de prisão. E para o homem, que participou da concepção tanto quanto essa mulher?? Ou que fez sozinho este filho, por estupro, porque se a mulher não consentiu, ele fez sozinho, sim.

Por que é tão difícil entender? 100 mil mulheres abortam por ano no Brasil, sem condições. Esse número não pode ser ignorado. É muita hipocrisia.

Nenhuma mulher é a favor do aborto. Somos a favor da legalização do aborto, quando precisarmos e quisermos. Somos a favor de melhores condições para a interrupção voluntária da gravidez, quando somos só nós que vivemos os prós e os contras dessa decisão. SÓ nós.

Dona Ester, 67 anos, parou para conversar com a gente. Lembrou-nos de sua geração, quando as mulheres eram vítimas de estupro consentido pela lei. Explicou: “quando éramos jovens, os casamentos eram praticamente arranjados. Moça virgem com um homem já rodado. Eles já tinham ido a bordeis, levados por seus pais. Já sabiam o que fazer. Nós esperávamos e numa primeira noite de núpcias, querendo ou não, tínhamos que fazer sexo. E do jeito que eles queriam. Virgens, ignorantes. É estupro. Não querer ter relações com o marido, mas ser obrigada a “fazer o papel de esposa”. Estupro. Então vocês sabem por que o aborto não é legalizado e somente as mulheres são penalizadas? Porque a lei é machista!”

Obrigada Dona Ester por compartilhar sua sabedoria certeira. Ontem a lei que proíbe todas as formas de aborto, inclusive em casos de estupro, foi aprovada por 18 homens, na câmara dos deputados.

E nós? Continuamos na luta, apesar do retrocesso infindável deste país.


Não à PEC 181/15.

quarta-feira, 8 de novembro de 2017

A palavra é

Da manga rosa, quero o gosto e o sumo. Quero ensopado de frango, sorvete, morango, suspiro, pudim e manjar. No café, pão salgado, pão de queijo, pão doce recheado, caramelado de açúcar. Eu quero um ou mais um.
Compartilhar a vida, não pôr a mesa, nem dar lugar. Pôr os pratos no chão e o chão está posto. Linguiças para tira-gosto, uca, açúcar, cumbuca de gelo, limão e botar mais água no feijão. Sempre.
Esse oportet ut vivas, non vivere ut edas(1). Comer para viver, mas para viver, muito mais. Quero ervas que curam e acalmam, que aliviam e temperam.
Não só alimento, quero almo. Não só comida, mas, diversão e arte. Quero saída para qualquer parte.
Quero um lugar de mato verde para plantar e para colher. Uma casinha branca de varanda, um quintal e uma janela para ver o sol nascer, onde eu possa plantar meus amigos, meus discos e livros e nada mais!
Quero dormir um sono tranquilo, sem temer os males ignorados pelo sonho acompanhado do sono da morte. Não basta apenas ser ou não ser, existir, sobreviver. Girar a mó todos os dias, praticar o contrário da prestidigitação. Por enquanto, não morrer.
Muito mais que alimentos usados para subsistência, suprimentos e provisão, quero o silêncio das línguas cansadas. Eu só quero chocolate e o café proibido pelo grande irmão. Quero minha dose de soma diária para aguentar a condição. Quero a música que une as pessoas.
Um homem de bom juízo pede ao céu, em oração, mente sana e corpo são.
Quero um banho de espuma, um dolce far niente, sem culpa nenhuma.
Quero tudo que alimenta, além da porção distinta da matéria, a parte incorpórea do ser.
Corpo, alma e vida.
Nada singular, pluralia tantum(2).
Víveres.



(1)Comer para viver e não viver para comer.
(2) Expressão tradicional da gramática latina que significa “apenas plurais” (afazeres, parabéns, arredores)