quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

Tergiversação

Essa palavra foi hoje acrescentada ao meu léxico. Bonita não? Parece poesia. Seria se o significado não representasse um dos maiores problemas da sociedade carioca e brasileira. O empurra-empurra de responsabilidades. Como diria o ditado: ‘Ninguém quer assumir o filho feio'. Na hora da responsabilidade todo mundo tira o corpo fora, principalmente as autoridades. Baseadas em algum artigo qualquer, de uma lei qualquer ou de um nada qualquer, a prefeitura empurra para o governo estadual, que devolve para a prefeitura, que manda para a CEDAE, que joga para a secretaria de meio-ambiente que – uhhhhhhhhhh - chuta para fora. Claro, é impossível fazer um gol. Esse foi só um exemplo referindo-me a língua negra que apareceu na praia e São Conrado. Mas há a questão da favelização, da segurança pública, enfim, em tudo. Não há a quem recorrer.
Está havendo uma avalanche de cartas de jornalistas – que têm poder de conseguir um espaço na mídia – descrevendo ocorridos, fazendo apelos porque ninguém sabe mais para quem recorrer. Aí existe na TV agora uma propaganda muito bem bolada de uma mulher que é assaltada por uma pessoa invisível. No final a moral da história é: 'Dê queixa. Quando a queixa não é feita, o crime torna-se invisível'. Lindo, não? Mas convençam as crianças porque os adultos já estão escolados que o crime está invisível há muito tempo. Aliás invisível não, porque todo mundo sabe como acontece, quem o pratica, mas os responsáveis fingem que não vêem. Aí querem nos fazer acreditar que dando queixa, as coisas vão aparecer e ser resolvidas. Como num passe de mágica. A atriz Cristine Fernandes, assaltada num sinal da Barra semana passada não deu queixa, e diz o jornal que o delegado vai entrar em contato com ela.
- Alou, delegado, me liga também e liga para todas as N famílias aí que estão com problemas porque ninguém faz nada.
Fim de semana passado, não cedi ao ‘assalto’ do flanelinha do Leme. Meu carro foi todo riscado. Para quem eu recorro? O cara vai estar lá de novo, a polícia vai fazer alguma coisa? Vai adiantar eu dar queixa? Ficar plantada horas na delegacia para me dizerem que ninguém pode fazer nada?
Na semana passada minha amiga, que mora na França, esteve de passagem pelo Rio e deixou algumas malas no Malex do Galeão (não vou falar Tom Jobim, porque estou na onda de respeito ao maestro) e a porta foi arrombada. O Malex se responsabilizou? A polícia fez alguma coisa? Alguém fez alguma coisa? NÃO. Ela (e a família que é francesa) foi embora com AQUELA sensação básica que os gringos têm passado quando deixam o Rio, carregando menos coisas – porque foram roubados – ou mais – porque alguém da família foi morto aqui e eles têm que levar de volta o caixão com o corpo. Sinistro, mas é a mais pura verdade.
E tudo fica por isso mesmo.
É a tergiversação. Que, para ficar poético, rima com EU NÃO!

3 comentários:

Unknown disse...

Lia, adorei "Tergiversação", bom humor na dura realidade, só vc mesmo. O blog tá maravilhoso. Beijão

Unknown disse...

ótimo texto! dava para ver a sua revolta me contando tudo isso, e como eu sei do seu jeito, foi muuuito forte...

Uau!!!!

beijos legais!

Síl disse...

Como sempre teu texto é show. Pena que o assunto não. E continuamos sempre de mãos atadas.